Vol. 6, n. 1, aprile 2020
Contesti sociali dell’educazione
Invecchiare nel mondo 4.0
Vito Carioca1 e Ana Fernandes2
Sommario
Obiettivo del presente contributo è quello di riflettere sulla continua evoluzione dei paradigmi tipici della Quarta rivoluzione industriale (Schwab e Davis, 2019), cercando di trovare possibili risposte ogni qualvolta cerchiamo di interrogare il futuro in merito alle grandi domande del nostro tempo. Crediamo che la specializzazione umana ci permetterà di competere con le macchine in futuro? Quali saranno le implicazioni per l’invecchiamento? Siamo davvero pronti a cambiare lo status quo dell’umanità e cambiare mentalità a 360 gradi? Sono domande che producono riflessioni senza risposta, spirali senza ritorno. Nondimeno da qui dobbiamo partire: riflessioni e spirali che indagano soluzioni per le complesse sfide della società attuale.
Parole chiave
Invecchiamento sano, mondo 4.0, interruzione tecnologica, gerontotecnologia, robotizzazione sociale.
SOCIAL CONTEXTS OF EDUCATION
Aging in the 4.0 World
Vito Carioca3 and Ana Fernandes4
Abstract
In this article we want to think about the emerging paradigms typical of the Fourth Industrial Revolution (Schwab and Davis, 2019) and risk answers to questions that arise whenever we plunge into interrogating the future. Do we continue to believe that human specialization in what is still truly human will allow us to compete with machines in the future? And what implications will this new world have for living and especially for aging? Are we prepared to change the status quo of humanity and change mindsets in 360 degrees? Or will all these be inevitable in a future that has already come? These are clues that we leave you, many questions and possible answers that will generate spirals without return and new questions. That’s the major purpose of this work. And I appeal to your contribution in a way that we can, all together, build innovative thoughts, for a society in which each step is the journey towards new learning in the aging process of the human being, aware that the future is always present and the future is already today.
Keywords
Healthy aging, world 4.0, technological disruption, gerontotechnology, social robotization.
Introdução
O mundo está em mudança. A nossa atitude e sentimento face às questões do envelhecimento e da relação com a tecnologia estão em mudança. Assumamos esta evidência, a responsabilidade social e os riscos mais ousados do futuro. Um futuro em que, com os recursos da tecnologia e dos sistemas conexos, os cenários do envelhecimento serão cada vez mais otimistas e de esperança.
O aceitarmos estes pressupostos e assumir a sua inevitabilidade, coloca-nos um conjunto de questões iniciais que importa considerar e que irão configurar a nossa reflexão:
- será possível o ser humano ser institucionalizado, por seu livre arbítrio e escolher entre várias alternativas?
- será possível, no futuro, transformar as ERPIs (Estruturas Residenciais para Idosos) em instituições technological friendly?
- que modelo alternativo de cuidados aos idosos poderá adotar-se para compatibilizar o sistema formal e o informal, com recurso a soluções de base tecnológica?
Ousamos conduzir a nossa reflexão mergulhados num «mar de incertezas e interrogações», com o pretexto de ser possível contribuir para clarificações necessárias, em áreas que serão um dos caminhos para uma sociedade de futuro, certamente diferente em matéria de envelhecimento humano.
Vozes fatalistas afirmam que estamos no terminus do Antropoceno; outros, os arautos dos novos tempos, que no limiar da Quarta Revolução Industrial ocorrerão profundas alterações no modus vivendi do seu humano, que terá de aprender a conviver com a tecnologia e os sistemas conexos, numa lógica de aprendizagem conjunta para preparar os novos tempos que serão muito diferentes, de disrupção e inovação tecnológicas. Muita complexidade na definição de certezas absolutas, merecem-nos assumir as limitações que sentimos quando refletimos acerca do viver e envelhecer em tempo do mundo 4.0.
Schwab e Davis (2019) reportam o seu pensamento acerca das evidências próprias dos novos tempos, e da nova era ciberhumana:5 «A nova era tecnológica, se for moldada de uma forma ágil e responsável, poderá catalisar um novo renascimento cultural que irá permitir que nos sintamos parte […] de uma verdadeira civilização global» (p. 17) e, mais adiante em referência a matérias do foro dos benefícios sociais:
Os benefícios sociais das tecnologias emergentes podem ser verdadeiramente revolucionários.[…] O lançamento de novas técnicas na medicina de precisão para tratar e controlar doenças não transmissíveis poderia facilmente estender o tempo de vida por um a dois anos em todo o mundo — mesmo sem considerar as tentativas actuais de usar técnicas de edição genética para retardar directamente o envelhecimento (Schwab e Davis, 2019, p. 74).
Estes são os eixos da reflexão, com a pretensão ousada de propor novos aportes à discussão científica nestas matérias. A ênfase é colocada nos efeitos sociais da disrupção tecnológica, concretamente na terceira e quarta idades, na acepção de Arenas (2019), arriscando-nos a afirmar que os seus efeitos serão tão relevantes que importaria considerar uma nova dimensão na definição conceptual e na constelação semântica do conceito «qualidade de vida», vectorizada pela literacia digital, emergente e transversal nos processos de envelhecimento humano.
Tempos 4.0, a disrupção tecnológica e os novos paradigmas
O Sol formou-se há 4500 milhões de anos e não chegou sequer a metade da sua existência […]. Foram precisos quatro mil milhões de anos para que nós evoluíssemos desde o primeiro sinal de vida […]. Os seres humanos não são o ponto final neste processo de evolução, tal como não era o primeiro peixe que rastejou do lodo primitivo para a terra seca. As criaturas que vão testemunhar o fim do Sol não vão ser humanas […]. Esta nova espécie, um passo adiante na evolução de Darwin, deverá resultar de biomodificações e talvez técnicas cyborg, com processos biológicos alterados ou substituídos por meios electrónicos (Anunciação, 2018, p. 58).
No mundo da Quarta Revolução Industrial desenham-se, de uma forma constante, novas configurações de base tecnológica, com profundas influências na sociedade do presente e do futuro. O mundo torna-se um construto de cenários e palcos a nível mundial, identificados pela sua configuração e investimento consistente no desenvolvimento tecnológico, em disrupção, com profundas influências no sistema social:
Os dados estão lançados e é já certo que as formas de inteligência artificial terão um papel preponderante na forma como os humanos se relacionam entre si e com o meio, mas ainda não é possível ter a certeza de quanto tempo resta até que a verdadeira revolução aconteça. Quando chegar, levará tudo à frente e será mais rápida do que qualquer outra (Salvador, 2019, p. 38).
Nestes tempos de Inteligência Artificial, são igualmente refletidas questões que ela própria suscita. Nesta linha, Schwab (cit. por Schwab e Davis, 2019), em referência às tecnologias emergentes, da inteligência artificial às biotecnologias e à computação quântica, refere:
Estas tecnologias emergentes não são meros avanços incrementais nas tecnologias digitais actuais. As tecnologias da Quarta Revolução Industrial são verdadeiramente disruptivas — elas subvertem as formas existentes de sentir, calcular, organizar, agir e entregar. Representam formas inteiramente novas de criar valor para as organizações e para os cidadãos. […] os avanços nas neurotecnologias e nas biotecnologias já nos obrigam a questionar o que significa ser humano (p. 13).
O mundo é um mundo em mudança. As sociedades industrializadas preparam o futuro investindo em sectores que catalizam a economia. Ao referenciar a sociedade americana do século XXI, Friedman (2018) aborda as questões emergentes da relação emprego/desemprego e tecnologia. Em seu entender «a robótica foi concebida especificamente para a substituição da mão-de-obra.[…] Por outras palavras, apesar da robótica ser concebida para substituir trabalhadores que estão a desaparecer, irá também criar desemprego entre os […] deslocados, mas que não têm as qualificações para trabalhar na robótica» (p. 291). Questões pertinentes em tempos imersos em interrogação, dúvida e reflexão, com profundas implicações sociais e humanas. Disrupção tecnológica versus social? Ou inevitabilidades próprias dos efeitos da «nova revolução», da Revolução 4.0?
As polémicas implícitas nas discussões sobre as novas realidades dos mercados, do trabalho e do emprego e da própria condição humana e da sua sobrevivência, merecem-nos a reflexão das palavras de García Veja (2019):
La naturaleza del empleo está cambiando. La cresciente automatización de tareas obliga a replantearse cómo organizar las relaciones laborales del siglo XXI. Robots y algoritmos son cada vez más capaces, y esto es solo el principio. Qué cabe esperar de este nuevo escenario? Realmente debemos temer por nuestros postos de trabajo? Y nuestros hijos? Qué respuesta podemos dar ante este innegable cambio de paradigma?
Ou ainda, na perspectiva mais moderada de Hidalgo (2019, cit. por García Veja, 2019), questionado acerca da problemática «tecnologia supone creación y destrucción del trabajo?»: «[…] mucha destrucción de empleo. Pero no sufriremos un aumento del paro. La teoría económica dice que aunque al princípio esse crecimiento del trabajo parece más difuso al final resulta mayor. No viviremos esse apocalipsis robot que algunos vaticinan. Aunque tampoco será inócuo» (p. 48).
Aliás, o artigo de Mateus (2019), de título «Já há robôs no “desemprego”» acentua ainda mais esta polémica ao referir que «30 a 50% dos projectos de automação das empresas falham numa fase inicial» (p. 32), colocando a tónica nos erros que as empresas cometem ao colocar a gestão de todos os processos de robótica nos departamentos tecnológicos e não numa lógica de gestão conjunta humano-máquina. O mesmo autor (Mateus, 2019, p. 32), reforça ainda afirmando que o êxito passa pelo trabalho conjunto humano-máquina, numa linha de pensamento igualmente defendida na ideia de «supermentes humano-computador» (Malone, 2019).
A polémica ou a dúvida acerca da imprevisibilidade instalaram-se nas reflexões acerca do futuro e das suas implicações no modus vivendi do ser humano. Será possível coabitar no futuro, assumindo a lógica de pensamento do mesmo Malone (2019) quando afirma que «[…] Juntos, os sistemas ciberhumanos podem agir com mais inteligência do que qualquer pessoa, grupo ou computador até hoje» (p. 27)? São tempos de disrupção e inovação tecnológicas próprios da Quarta Revolução Industrial com profundos efeitos sociais, humanos, económicos e outros! E, principalmente com a convicção plena de que a maior previsibilidade é a imprevisibilidade do futuro…
Estas questões merecem-nos a oportunidade de (re)contextualizar a nossa linha de pensamento. Esta é uma sociedade de disrupção global, tecnológica, demográfica e de globalização, como afirma (Alves, 2016),6 no seu relatório The Upside of Disruption, uma sociedade de profunda alteração dos modelos anteriores, ruptura com o passado, inovação nos mercados, nas empresas e nos negócios. E, logicamente no modus vivendi do ser humano e nas suas lógicas de abordagem social… a sociedade em mudança…
A propósito da tecnológica, o mesmo autor (Alves, 2016, p. 5) afirmaria que «Embora estejamos habituados a enquadrar a disrupção no contexto das TI, os avanços das tecnologias há séculos que provocam a disruptividade dos modelos de negócio.[…] As próximas ondas são a Internet of Everything (IoE), a realidade virtual, a inteligência artificial e a robótica, e tudo indica que serão ainda mais revolucionárias». Afirmaria ainda (Alves, 2016, p. 5) que a interacção destes três vectores, permite situar um conjunto mais alargado de 8 megatendências, e entre elas «reinventar a saúde«, numa lógica de que «a disrupção e a sustentabilidade económica vão liderar os cuidados de saúde» (Alves, 2016, p. 6).
Nesta linha de pensamento Correia (2016) assume que «a disrupção tecnológica terá um profundo impacto no capital humano e no emprego […]» (p. 7) e, igualmente «as skills requeridas pelas organizações vão sofrer uma profunda alteração, dado que as tecnologias disruptivas (i.e. robotics e machine learning) estão a focar os colaboradores em tarefas que requerem skills core distintas» (Correia, 2016, p. 7).
A nova vaga coloca, certamente, desafios sem precedentes no mundo dos negócios, nas empresas, e nas pessoas, sendo possível apontar como um exemplo de disrupção tecnológica «a combinação da inteligência artificial e das tecnologias de informação e comunicação que permitam o desenvolvimento de veículos conduzidos automaticamente com benefícios muito significativos […] na segurança das pessoas e, muito particularmente, na mobilidade dos idosos» (Grilo, 2016).
Novos tempos, novos rumos e desafios no mundo 4.0, que irão influenciar a forma como vivemos hoje, como iremos enfrentar o futuro, e mudar o viver e o envelhecer do ser humano. Os tempos presentes e futuros são tempos em que o económico determinará e irá acelerar a revolução da IA. As empresas unicórnio7 do presente serão rapidamente passado… Estas questões são objecto de reflexão do mesmo Salvador (2019) que a seu propósito referencia:
Para Masayoshi Son,8em breve deixaremos de olhar para as empresas avaliadas em mil milhões de dólares como exceções e será preciso acrescentar um zero para que a surpresa se confirme. Segundo o investidor japonês, estará prestes a nascer um grupo de empresas avaliadas em 10 mil milhões de dólares. E como fator de diferenciação face às demais terão o controlo sobre as supermáquinas que revolucionarão cada dimensão das nossas vidas (p. 38).
Tempos de mudanças globais na sociedade do mundo 4.0. Os seus efeitos são também visíveis nos processos humanos, na saúde, na revolução da ciência cirúrgica — a Cirurgia 4.0 (De Lacy, 2019) — nos processos de envelhecimento do ser humano abrindo caminhos para uma nova visão da vida, do viver e, em última instância do morrer. A disrupção tecnológica impõe a reflexão em torno dos próprios conceitos e da essência da vida. Do simples computador, à internet, à teleassistência, à robotização social e ao futuro digital twin, o Homem prepara as condições para que o seu viver e envelhecer se façam com mais qualidade, autonomia e independência, em rutura, quase total, com os modelos tradicionais há muito próprios da sociedade.
Envelhecer em tempos de inteligência artificial
Envelhecer ativo e saudável com a literacia digital…
Envelhecer enquanto experiência humana implica a otimização de recursos das sociedades contemporâneas, em prol de um aumento da qualidade de vida e não apenas de acréscimo de anos à vida. A literacia digital, entendida em nossa acepção, como o acesso e utilização de recursos de base tecnológica nas atividades da vida diária do idoso é, nesta reflexão, o ponto de partida para assumirmos o pressuposto de que o conceito de qualidade de vida de um idoso deve, igualmente, enquadrar esta valência. Ela que, simultaneamente, lhe confere expressão e amplitude. E alarga a visão e a competência técnica das pessoas mais velhas, premissas que lhe ampliam a capacidade de livre arbítrio nas decisões alternativas em matérias fulcrais, nomeadamente a sua decisão acerca da institucionalização.
Assumimos assim que o conceito deve ser entendido na lógica da preparação do ser humano para o desenvolvimento de competências cognitivas e interpessoais, em que o recurso à tecnologia, nomeadamente a Internet e tecnologias associadas, se deve considerar fundamental para aprendizagens ativas. Não nos referimos, apenas, aos recursos já hoje associados a áreas fundamentais como a saúde, mas igualmente, ao acesso e utilização de dispositivos e outros sistemas de base tecnológica como parte integrante da vida do idoso, no lazer, sociabilidade, promoção da saúde e bem-estar. Importa deste modo, situarmo-nos nos atuais paradigmas sobre o envelhecimento, acerca da sua previsibilidade e imprevisibilidade, assente em questões sociais incertas como o impacto das alterações climáticas na vida das pessoas mais expostas à pobreza e vulnerabilidade social, onde se incluem também os idosos ou os riscos sociais da (in)sustentabilidade dos sistemas de segurança social ou do próprio Estado de Bem-Estar.
Na constelação do conceito literacia digital, conforme a figura 1 e o quadro 1 detalham, incluímos igualmente, para além das competências cognitivas adquiridas e utilizadas pelo idoso, recursos tecnológicos que permitem aumentar a qualidade de vida, no contexto das dimensões explicitadas no quadro 1. Logicamente, os recursos indicados não esgotam o universo das possibilidades, numa matéria continuamente em evolução e descontinuidade. Por outro lado, e conforme se verifica no quadro, os indicadores apresentados na coluna «indicadores de tecnologia» são transversais às dimensões da qualidade de vida explicitadas e abrangentes em diversas situações.
Figura 1
Quadro 1
Relação qualidade de vida-tecnologia (fonte: elaboração própria, 2019)
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Literacia Digital |
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Dimensões |
Indicadores de qualidade de vida |
Indicadores de tecnologia |
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Relações sociais, ambiente e comunidade |
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Ageing in place |
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Atividades da vida diária |
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Saúde |
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Perspetivas sobre a vida e o futuro |
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A figura e o quadro acima explicitam, em nossa opinião, as dimensões mais relevantes do que se deve entender por qualidade de vida. Este conceito, embora amplo e subjectivo, contempla a percepção individual acerca da sua saúde física, estado psicológico, nível de independência, relações sociais e relação com o meio envolvente (WHO, 2001). A sua elaboração, em matéria dos indicadores de qualidade de vida, teve como referência de base a escala WHOQOL-100, na sua versão alargada (Canavarro et al., 2006) e, igualmente, relativamente aos indicadores da tecnologia, a nossa experiência e conhecimento na investigação nos interfaces tecnologia-envelhecimento ativo, bem como os estudos de Carioca e Fernandes (2019), Páscoa e Gil (2019) e Gil (2019).
Assumindo que a revolução 4.0 não está ausente de riscos para as pessoas mais velhas, importa também providenciar no sentido de reduzir as limitações próprias deste processo, da nova era. No entanto, é nossa convicção que
tais tecnologias podem proporcionar à pessoa idosa um modo mais confortável e económico de realizar tarefas…como consultar portais do governo (e-government), aceder a serviços bancários (e-banking), fazer compras (e-shopping), apoio assistido em casa, maior disponibilidade para apoio ao longo da vida (lifelong learning) e reabilitação através de meios computorizados (Páscoa e Gil, 2019, p. 1).
Perante este cenário, importa igualmente considerar os efeitos e impactos positivos ao nível da cognição, autonomia e níveis de satisfação em termos dos relacionamentos interpessoais. De acordo com o estudo de Carioca e Fernandes (2019), é constatável a predisposição dos idosos para o uso da tecnologia, no amplo reconhecimento do seu efeito benéfico no processo de envelhecimento.
Associado ao binómio idoso-tecnologia, trazemos ao debate o pressuposto que a melhoria das condições de vida e proteção contra a pobreza, pode relacionar-se com a literacia digital que tende a aumentar as condições objetivas de níveis de proteção social perante os riscos sociais da velhice. Igualmente, importa considerar a literacia digital enquanto recurso que pode contribuir para uma mudança na vivência da velhice, facto que terá o seu impacto na forma de organização das atuais estruturas residenciais para idosos (ERPI’s). Programadas em torno de práticas rotineiras, assentes na satisfação de necessidades básicas (como a alimentação e a higiene) e em atividades de animação sócio-cultural que não contemplam, na sua maioria, ferramentas tecnológicas para a manutenção da funcionalidade física e cognitiva terão, logicamente, que ser reconfiguradas no quadro das novas realidades.10 Esta dimensão remete-nos para a ideia de que as respostas aos problemas relacionados com o avanço da idade, podem ser profundamente alteradas com a tecnologia. «Mergulhamos», nas palavras de Páscoa e Gil (2019),
ao envelhecer, as pessoas podem enfrentar alterações de ordem sensorial (ex.: visão e audição), motora e cognitiva, que podem influenciar na aprendizagem, levando mais tempo para aprender novos conceitos… a divulgação dessas tecnologias… pode proporcionar à pessoa idosa uma vida mais autónoma e menos dependente de outras pessoas na realização de atividades básicas, tanto em produtos tecnológicos de uso pessoal, quanto no ambiente domiciliar (p. 3).
Refletindo acerca do conhecimento produzido sobre «o impacto do uso da tecnologia pelos idosos», os mesmos autores (Páscoa e Gil, 2019, p. 3), sugerem que é ainda limitada a investigação que a comunidade académica tem produzido a este respeito. Os países com maior investimento de produção científica neste domínio, estão concentrados na Europa e nos Estados Unidos, em parte pelo avanço tecnológico que os caracteriza e pela longevidade alcançada pelos seus habitantes, concluindo que a literacia digital constitui uma oportunidade de melhoria das relações interpessoais e da própria qualidade do processo de envelhecimento.
O paradigma emergente acerca do envelhecimento, pode estar relacionado com a função da tecnologia no combate à discriminação com base na idade-idadismo.11 Ao apelar-se para a valorização da literacia digital, apela-se igualmente para o reconhecimento do valor do envelhecimento. Os novos paradigmas mais imprevisíveis podem tratar de «garantizar una posicíon preferente en las agendas politicas, a fin de apreciar la valiosa contribuición que las personas de más idad realizan a la sociedad y su economia» (Serrano e Oliva, 2013, p. 10).
Numa sociedade, que possui como valor emergente o acesso vertiginoso à informação, assumido como imprescindível para a vida humana, estes autores apelam à necessidade de romper com
la transmisíon conceptual de los estereótipos negativos referidos a este período de edad (senilismo) que puede determinar nuestro trato com los ancianos, nuestras ideas sobre el desarollo de estas personas, así como las posibles alternativas sociales que hay que adoptar para la necessária formacíon en este campo…se considerarmos verdadeiros los falsos conceptos y los convertimos en realidades que puedem modificar las condutas y comportamentos de nuestros mayores (Serrano e Oliva, 2013, p. 189).
A defesa da literacia digital enquanto indicador de qualidade de vida do idoso, é um pressuposto por nós defendido e assumido como conceptualmente integrante do mesmo. A mudança do paradigma acerca do envelhecimento requer uma transformação social, que também deve ter lugar na Academia envolvendo os especialistas na matéria, em áreas científicas como a gerontotecnologia e na criação de unidades de investigação nas instituições de ensino superior.
Muitas são as questões que se devem colocar.
- O desenvolvimento tecnológico de ponta deverá, igualmente, ser pensado em função da faixa populacional dos idosos?
- O acesso a bens, serviços e formação técnica de base tecnológica — a literacia digital — deverão ser direitos fundamentais do idoso? É nossa convicção que sim. Envelhecemos e o conceito de velhice está em mudança…
De acordo com a Oficina Europeia de Estatística (Eurostat) em 2080, 13% da população da Europa terá 80 ou mais anos (Arenas, 2019), por isso «El concepto de velez también está cambiando, y la perspetiva de un mundo en el que es común llegara los 100 años ya no es una utopia».
Pode o envelhecimento mudar o mundo, tal como o conhecemos? Qual o papel da quarta idade, formada pelos idosos com 80 ou mais anos, no futuro? Estaremos perante idosos mais habilitados em termos digitais?
Envelhecer no futuro, paradigmas emergentes
Nestes tempos, nas sociedades mais desenvolvidas, fruto dos progressos económico, científico e tecnológico, têm vindo a ser criadas condições favoráveis ao aumento da longevidade. Esta caminhada faz-se já há bastante tempo em matéria de criação de infraestruturas de base tecnológica. Efetivamente, importa referir que as pessoas que hoje têm 65 anos convivem há décadas com as tecnologias e a Internet, reduzindo a limitação própria da idade, e estreitando cada vez mais a brecha digital idoso-tecnologia (González e Rodríguez-Porrero, 2015).
A década iniciada em 2000, marca a emergência da noção de «envelhecimento em atividade» ou «envelhecimento ativo», desafio lançado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), entendido como um processo que se inicia cedo e acompanha as pessoas ao longo da vida, compreendendo essencialmente a otimização das condições de saúde, participação e segurança (Grupo de Coordenação do Plano de Auditoria Social et al., 2005).
A lógica é a de implementar a ideia de um envelhecimento ativo e saudável, como fator de possibilidade da pessoa idosa permanecer autónoma e capaz de se bastar a si própria, com recurso a apoios diversos que, entre outros, podem ser de base tecnológica. Deste modo, ao olhar-se o envelhecimento como possibilidade de transcendência do Ser Humano, abrem-se caminhos para o entendimento da longevidade como uma conquista da evolução tecnológica.
Na opinião de González e Rodríguez-Porrero (2015) — com referência à realidade espanhola — em 2050 o número de idosos irá ultrapassar o das crianças, remetendo para a inevitabilidade de uma aposta consistente nos recursos tecnológicos de apoio aos processos de envelhecimento. Os mesmos autores afirmam que, para além da questão económica, o recurso à teleassistência permitirá prolongar a autonomia do idoso e, desta forma, permanecer em sua casa mais tempo.12 Por outro lado, pode servir de apoio consistente ao cuidador informal que convive com o idoso, aumentando o controlo dos níveis de segurança e de apoio em situações de maior risco, ou mais problemáticas. Aliás, e conforme referem Baura Ortega e Pérez (cit. por González e Rodríguez-Porrero, 2015, p. 145) «[…] qué decir de la Teleasistencia Domiciliaria, uno de los servicios más valorado por las Personas Mayores y de los que tienen mejor relación coste/benefício. La fidelización e interés por mantener el servicio es importantíssimo entre os mayores. Praticamente ningún mayor que tiene la Teleasistencia quiere perdela».
Por outro lado, e em matéria de segurança, o investimento enorme realizado pelas empresas tem permitido um avanço muito significativo no desenvolvimento de plataformas e serviços que potencialmente são orientados para procura da satisfação e melhoria das condições de vida dos idosos.13
As questões de partida, assumidas na introdução, remetem-nos no quadro das novas realidades, para o suscitar de um conjunto complementar emergente, em relação aos efeitos efectivos deste boom tecnológico.
- Como será possível reduzir as limitações próprias da brecha (gap) digital?
- Que estratégias importa considerar para que haja um real aproveitamento dos benefícios da tecnologia por parte do idosos?
- Será a tecnologia uma resposta às necessidades que se colocam diariamente no envelhecimento humano?
- Qual o impacto efetivo das tecnologias na longevidade?
Estas interrogantes têm condicionado e irão determinar as lógicas das políticas sociais europeias, da investigação académica e do investimento empresarial, no mercado da gerontotecnologia, cuja orientação fulcral é a de desenvolver medidas, com recurso à tecnologia, que permitam delinear orientações, no sentido de promover um efetivo envelhecimento ativo e saudável, como fator de possibilidade da pessoa idosa permanecer autónoma, independente e capaz de se bastar a si própria.
A investigação académica tem acompanhado desde sempre esta orientação. O estudo de Carioca e Fernandes (2019) já referido, desenvolvido junto a uma comunidade de idosos (entre os 65 e os 82 anos), da Universidade Senior, sediada na instituição de ensino superior onde foi feita a investigação, demonstrou que, na quase generalidade, as dificuldades e questões técnicas necessárias para uma boa utilização e optimização da tecnologia foram consideradas prioritárias, confirmando outros estudos já desenvolvidos (e.g Páscoa, 2017). De facto, e como sublinha Páscoa (2017):
Como cada vez mais as tarefas quotidianas são realizadas online, todos os indivíduos necessitam de competências digitais para participar plenamente na sociedade. A Internet representa, pois, uma fonte de aprendizagens diversas que deve ser rentabilizada e valorizada na sua dimensão formativa quer seja em contextos formais, não formais ou informais. Viver numa sociedade mediada pela tecnologia ao nível social, cultural e económico significa que as pessoas atingidas pela exclusão digital vêem reduzida a sua capacidade de participar na sociedade e conduzir os seus destinos de uma forma muito reduzida (p. 110).
No entanto, embora reconhecendo e de acordo com Arenas (2019) que a utilização da internet por parte do idoso aumenta a sua satisfação para com a vida, importa referir, pela relevância, outras soluções de base tecnológica, de matriz mais recente, conforme as palavras da empresa Tunstall Televida14 (cit. por González e Rodríguez-Porrero 2015):
Pero hemos de dar un paso más allá y aprovecharmos de los últimos desarrollos. Estamos vivendo una autêntica revolución digital. Las redes IP y la tecnologia móvil permiten conectar toda la vivenda com una gama amplia de dispositivos, así como ofrecer servicios que, hasta hace unos años, eran una utopia, como la telemonitorización a domicilio o en centros asistenciales de las patologias crónicas más habituales, la telerrehabilitación, la telesistencia para personas sordas o com problemas de comunicación e, incluso, la geolocalización de personas com demência gracias a la telesistencia móvel (p. 173).
As empresas de matriz tecnológica em articulação com diferentes organismos de direito público e/ou privado, têm assumido a importância real da necessidade de investimento na conceção de hardware e software conscientes de que importa promover o desenvolvimento de interfaces amigáveis na tecnologia do computador e dos dispositivos móveis, de forma a permitir soluções de personalização adequadas à tipologia do idoso e ao seu quadro funcional. Por outro lado, e em matéria de segurança, o investimento enorme realizado pelas empresas tem permitido um avanço muito significativo no desenvolvimento de plataformas e serviços que potencialmente são orientados para procura da satisfação e melhoria das condições de vida do idosos.
O caminho e as trajetórias futuras começaram já a desenhar-se de forma consistente e no limiar dos tempos 4.0 as configurações tecnológicas de apoio ao idosos «saltam no tempo» e perturbam até a nossa imaginação, face à velocidade da mudança neste sector. E novas questões perturbam o ser humano, porventura ainda não preparado para a dimensão da inovação emergente. Estaremos conscientes da dimensão do fenómeno da robotização social e das suas implicações éticas e humanas entre o idoso? Estarão as nossas mentalidades preparadas para os possíveis choques e os dilemas éticos que se vão colocar?
Ou ainda mais ousadas.
Que acontecerá quando o Homem criar um digital twin de si próprio? Que consequências terá no envelhecimento e no ser humano?
Dúvidas que ao Homem se irão certamente colocar e que, em nós próprios, são fonte de dúvidas e perturbação em cada passo mais nas nossas reflexões. E estaremos igualmente preparados para entender tudo isto e participar na mudança? Mudança que, para alguns, extremistas, poderá, em última instância terminar com o Antropoceno e a própria raça humana.
Referências
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Canavarro M.C., Vaz Serra A., Simoes M.R., Pererira M., Gameiro S., Quartilho M.J., Rijo D., Carona C. e Paredes T. (2006), Desenvolvimento do instrumento de avaliação da qualidade de vida da organização mundial de saúde (WHOQOL-100) para português de portugal, «Psiquiatria Clínica», vol. 27, n. 1, pp. 41-49.
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1 Professore Ordinario, Instituto Politécnico de Beja.
2 Professore Associato, Instituto Politécnico de Beja.
3 Professor Coordinator, Instituto Politécnico de Beja.
4 Associate Professor, Politécnico de Beja.
5 Interrogamo-nos se o futuro serão tempos de equilíbrio humano-máquina, ou simplesmente a substituição quase generalizada e maciça da raça humana pela robotização e pela inteligência artificial…
6 O autor, Country Managing Partner da EY (Building a better working world), reforça a lógica da importância do digital na sociedade do futuro, e enquadra a relevância e expertise da Ey nestas matérias, na era da Transformação Digital.
7 Empresas avaliadas em mil milhões de dólares.
8 Multimilionário japonês, dono da megaempresa de telecomunicações e Internet Softbank.
9 Veja-se o exemplo da Ebutter, empresa do Qatar, que disponibiliza um «mordomo virtual» que permite realizar múltiplas tarefas (por ex. ir à farmácia), ou a Itecho Health (Reino Unido) que permite realizar triagem virtual, em serviços de saúde, no acesso ao hospital (Guilherme, 2019).
10 Aponta-se, como exemplo, o caso do SiosLIFE, que desenvolveu um sistema simples e interativo para idosos residentes em instituições de acolhimento. Disponível em sioslife.com (acedido a 15 de Outubro de 2019).
11 A expressão idadismo surge do termo inglês ageism em 1969 através do psicólogo americano Robert Butler, que estudou «as reações negativas de uma comunidade à construção de um empreendimento imobiliário para pessoas idosas na sua vizinhança… Após uma reflexão mais aprofundada… compreendeu que apenas um factor parecia guiar a recusa dos habitantes locais e este estava relacionado com a idade dos inquilinos» (Marques, 2011, p. 17).
12 Deve entender-se por teleassistência, a modalidade de atendimento no domicílio, a pessoas idosas, de forma a garantir maior segurança e, quando em situação de sós, ou a maior parte do dia sem companhia.
13 A especialista e directora-gerente do Centro de Referencia Estatal de Atención a Personas com Enfermedad de Alzheimer y Otras Demências, González Ingelmo (cit. por González e Rodríguez-Porrero, 2015, p. 147) refere que a tecnologia pode ser utilizada como uma ferramenta fundamental para a estimulação cognitiva de idosos com estas enfermidades, desde o ponto de vista lúdico e terapêutico, até à utilização domótica que permitirá uma vida com mais independência.
14 Empresa no sector da saúde social, cuja finalidade é desenvolver soluções para que o idoso possa viver de melhor forma no ambiente por ele escolhido.
Vol. 6, Issue 1, April 2020
Transversalidade da literacia digital (fonte: elaboração própria, 2019).
